Esta reportagem, de Silvio Essinger, foi exibida originalmente no jornal O Globo, em 03/06/2012.
Belém do Pará, terra do carimbó, começo dos anos 1980. Decididos a
ser reconhecidos como a banda mais pesada e mais rápida do planeta, os
jovens integrantes do Stress (o mais conceituado entre os poucos nomes
que se dedicavam ao chamado "rock pauleira" na cidade) catam todo o
dinheiro que conseguem arrecadar e se mandam para o Rio de Janeiro, para
gravar um disco. A gravação não sai nem um pouco parecida com o que
eles imaginavam. Sem ter como pagar pela mixagem, eles fogem do estúdio
com a fita debaixo do braço e, a partir dela, lançam o LP "Stress" —
marco inicial do heavy metal brasileiro, que está completando 30 anos,
puxando um inusitado movimento de resgate artístico/celebração
saudosista.
Novos discos a caminho
Um
documentário ("Brasil heavy metal"), novos discos de bandas dos
primórdios (o próprio Stress, Metalmorphose, Dorsal Atlântica) e uma
turnê da volta do Viper, para comemorar os 25 anos de seu primeiro LP,
"Soldiers of sunrise", chamam a atenção para uma história poucas vezes
contada com algum respeito: a de como garotos desafiaram os pais, a MPB,
a Igreja, a direita e a esquerda pelo direito de cantar bem alto suas
fantasias com demônios, mulheres fatais e guerreiros vikings.
—
Quando a gente chegou ao Rio, esperava que houvesse mais bandas de metal
— diz Roosevelt Bala, baixista e vocalista do Stress. — Mas no Circo
Voador só tinha rock e blues. No nosso primeiro show lá, a plateia
invadiu o palco e nos carregou nos ombros. Aí foi que ouvi: "É a
primeira banda de heavy metal do Brasil!".
De volta à ativa desde
2001 (quando saiu a primeira reedição de "Stress", em CD e LP), o grupo
prepara uma grande apresentação, em Belém, no dia 15 de novembro, para
comemorar os 30 anos do show de lançamento do primeiro disco. Até lá,
deve sair também, pelo selo português Metal Soldiers, um disco-tributo a
eles, com participação, entre outros, dos veteranos cariocas
Metalmorphose, Azul Limão e Taurus.
Fundada em 1981 e extinta
desde 2000, a carioca Dorsal Atlântica não está exatamente de volta. Ela
entrou em um projeto de crowdfunding, do portal Catarse
(http://catarse.me/pt/), para gravar um disco com a sua formação
clássica, que estava separada há mais de 20 anos.
— Eu nunca quis
voltar — ataca o guitarrista, vocalista e fundador Carlos Lopes (à
época, Carlos Vândalo). — O pessoal me enchia o saco para isso, mas não
tenho interesse. O CD será em homenagem aos fãs dos nossos primeiros
discos. Esse crowdfunding é a coisa mais socialista que fiz na vida. O
povo decide se quer a Dorsal de volta.
O trato é simples: se até o
dia 10 eles não conseguirem arrecadar os R$ 40 mil para custear as
gravações, todos voltam a suas vidas normais. Caso sim, os
fãs-apoiadores terão um disco clássico da banda, com músicas como
"Stalingrado", "Operação Brother Sam", "Colonizado e entreguista", e o
direito a ter seus nomes estampados no encarte.
Grupo com o qual a
Dorsal dividiu seu primeiro LP ("Ultimatum", de 1985), o carioca
Metalmorphose está lançando um DVD ao vivo ("Odisseia") e uma reedição
em vinil de "Ultimatum". Além disso, prepara material para um novo
disco.
Sucesso na Finlândia
O baixista André Bighinzoli conta que o estopim para a volta da banda foi um show do Stress no Rio, em 2007.
—
Descobri que eu era uma celebridade e não sabia! — brinca. — Tinha
comunidade do Metalmorphose no Orkut e fãs que tinham nascido depois de a
banda acabar. Mais tarde, ainda vi uma banda finlandesa (o Força
Macabra) tocando "Cavaleiro negro" (sucesso de "Ultimatum"). Foi uma
cacetada.
Os paulistanos do Viper, por sua vez, voltam somente no
mês de julho, com boa parte de sua formação mais notória (com o
vocalista André Matos), para uma série de shows dos 25 anos de "Soldiers
of sunrise". No dia 10, eles tocam no Rio, no Teatro Rival.
—
Sempre nos pediam essa volta. E agora pintou uma proposta legal, do site
Wikimetal. Como ninguém estava brigado, voltamos — diz o guitarrista
(hoje também jornalista) Felipe Machado. — Marcamos ensaios secretos,
estava todo mundo enferrujado. São solos complexos, músicas compridas...
Sobre
"Soldiers of sunrise" (base do repertório dos shows, junto com o disco
seguinte, "Theatre of fate", de 1989), Felipe é categórico.
— Era
um disco muito ingênuo. O "Theatre" já é bem mais profissional — diz
ele, que excursionou com o Viper por Japão e Europa nos anos 1990.
Guitarrista
do Santuário (banda que debutou no disco "SP Metal Vol. 2", de 1985),
Micka Michaelis é o diretor de "Brasil heavy metal", documentário a ser
lançado neste ano, para falar dos primeiros tempos do metal brasileiro. A
história começa nos anos 1970 e vai até o fim dos 1980, quando nomes
como Sepultura e Viper entraram nos mercados europeu e japonês.
— É
uma história um pouco melancólica a que contamos, mas a galera tinha
muito coração. Todas aquelas bandas gostariam de ter sido profissionais,
de ter vivido da música — diz Micka.